sexta-feira, 24 de novembro de 2023

NÃO CREIAM NISTO QUE LHES DIGO

 

 

Não creiam nisto que lhes digo, mas tentem imaginar, muito embora não creiam, que as coisas bem podiam ser assim. Tudo o que existe e tudo o que não existe constitui uma unidade de contrários que se manifesta numa pluralidade de universos eventualmente muito distintos e materialmente incomunicáveis.

Neste universo em que existimos, cativos do espaço-tempo, somos materialmente uma organização celular que cumpre a pulsão de tornar inteligente a matéria.

Engels, como teórico do materialismo dialéctico, dizia que no homem a matéria evoluiu até à consciência de si própria.

Pois bem, perspectivando do avesso, dir-se-ia que a inteligência infusa em cada um de nós virá da fonte absoluta da inteligência pura, que se expressa de dois modos: um modo dinâmico - a consciência - e um modo cinemático, a mente. Dito de outra forma: a mente é o papel onde a consciência se inscreve. É por isso que se diz que o Universo é Mental, isto é, susceptível de ser escrito e reescrito pela Consciência Cósmica.

 

DA ESCOLA ALVOROÇADA

 


Doze anos de escolaridade obrigatória para praticar a indisciplina e obter a diplomada ignorância que habilita qualquer coitado a ser caixa de supermercado – bem melhor seria ir aos ninhos, ou aos gambozinos – faz-nos duvidar que a escola possa ser uma coisa boa. Aliás, a ser uma coisa boa não seria obrigatória.

Ao duvidarmos da bondade da escola, duvidamos também que os professores em guerra contínua e longa com o governo que está como treino para o confronto com o que virá tenham em mente mais do que defender os seus interesses particulares, por muito que invoquem altruísmos de conveniência. De qualquer forma, é para mim uma quase certeza que, grite-se ou não por uma “escola pública de qualidade”, não se vê quem olhe friamente para o que a escola efectivamente é: um cadáver adiado que nem sequer procria, dado que nela e por ela se parte da ignorância para mais ignorância ainda, antes de mais porque se repisa o que foi sem perspectivar o que será. Incentiva-se a interpretação superficial de coisas que não se percebem nem se almeja perceber, estimulando-se a opinião – que não a crítica – sobre ideias que não se conhecem nem se aprofundam.

Enfim.

Muitas vezes fica-nos a sensação de que se organizou o caos no sentido da borga. É, pelo menos, o que parece quando observamos os arraiais indecorosos de aludidos professores que exigem respeito enquanto bolçam impropérios, como se respeito fosse coisa de sentido único.

NÓS E A NOSSA CIRCUNSTÂNCIA

 


«…Y no quisiste jamás salvarte solo
porque no hay salvación – decías –
si no es con todos…»
           Da canção «Padre»
           de Patxi Andión
 

Em 1914, o filósofo madrileno José Ortega y Gasset publicou a obra «Meditaciones del Quijote», onde consta a celebrada frase que eu muito uso, «eu sou eu e a minha circunstância». Em abono da verdade se diga que a frase é um pouco mais completa e rica do que isto, a saber: «eu sou eu e a minha circunstância, e se a não salvo a ela, não me salvo a mim».

Se a primeira parte da frase diz afinal o óbvio, isto é, que nos constituímos como uma unidade indissolúvel, um eu circunstancial, a segunda importa bem mais: apela à acção. Assim, no seu sentido completo, retiramos que o autor não entendia a circunstância como uma condenação total e absoluta.

Posto isto, talvez fosse produtivo procurarmos respaldo noutras áreas, que não a Filosofia, a Psicologia e a Sociologia, para as características da circunstância, nomeadamente atendendo ao seu papel na evolução.

O investigador John Karat, que tem desenvolvido a sua actividade na projecção e avaliação da tecnologia utilizável em pesquisa industrial é um dos nomes mais conceituados no estudo da interacção entre humano e computador. No decorrer dos seus trabalhos de investigação foi formando a ideia de que a mente colectiva molda a nossa evolução, o que aponta para um Universo Consciente onde não há leis da natureza, mas apenas hábitos e a evolução depende da quebra de hábitos. Toda a ilusão de acreditar numa lei estática da natureza resulta da lei do menor esforço, de não se sentir a necessidade de quebrar o hábito.

Em 1988, John Karat e a sua equipa efectuaram uma experiência altamente significativa, colocaram células intolerantes à lactose num ambiente onde só havia lactose como alimento. Se realmente houvesse a tal lei da natureza, estática e imutável, estas células intolerantes deveriam, como é óbvio, morrer, mas o facto é que todas sobreviveram, porque todas entenderam que enfrentavam um grave problema de sobrevivência. Perante isto, substituíram a enzima problemática por uma adequada a processar a lactose como alimento.

Moral da história: se uma simples célula tem a habilidade de decidir da sua evolução, obstando à extinção, não será abuso pensar-se que tudo o mais por onde a vida flua tenha equivalente capacidade…

E tal capacidade resulta de quê?

Presumidamente duma mente global onde a própria natureza se insere, contrariando assim as crenças existentes de que o corpo humano não passa de uma máquina bioquímica controlada pelos genes. Se assim fosse, teríamos que o comportamento, as emoções e o carácter da nossa biologia, da nossa saúde, as nossas vidas em suma, seriam determinadas por genes que nós não controlamos. Fomos ensinados assim, fomos levados a aceitar que somos vítimas impotentes do egoísmo dos nossos genes, genes que não escolhemos e não nos é dado controlar, os quais programam tudo em nós, como se a circunstância de cada um fosse inconsequente.

As experiências do dr. Karat e a sua equipa com células tronco parecem desdizer isso.

Colocadas células tronco em placas Petri, elas vão-se dividindo a cada dez horas e, dentro de um dado ambiente, nada de relevante haverá para assinalar, mas se as dividirmos em três grupos, por exemplo, em três placas distintas, com ambientes diferentes, umas constituirão, por exemplo, tecido adiposo, outras tecido muscular e outras tecido ósseo…

Que lei da natureza controla tais destinos, se elas eram todas geneticamente idênticas?

Certamente que não podemos concluir outra coisa se não que a responsabilidade cabe ao ambiente, à circunstância. Ou seja, teremos finalmente de admitir que os genes não controlam a vida, respondem à vida. Assim sendo, também podemos admitir que se nós conseguirmos controlar a resposta é a vida que estamos a controlar. Voltamos ao Gasset: nós e a nossa circunstância.

 

 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

OFÍCIO DE VIVER

 

V.N. 25.08.2022

 

Ameaçada de morte, sujeita a riscos sem fim, a vida é um ofício perigosíssimo. Os mortos não correm quaisquer riscos. Valha-lhes isso…

Aqueles que vivem de propósito querem acreditar que a vida é uma escola de alto nível onde muito se aprende. Dizer isto, é um lugar comum, evidentemente. Menos comum será perspectivar-se que em tal aprendizado, neste modo de produção do conhecimento, digamos assim, é pela dúvida que se obtém o fermento do novo, porque pela convicção só o velho permanece na mortalha dos dias. A dúvida é a grande instigadora da descoberta, a raiz natural do pensamento; a convicção é a esclerose do pensar e a rotina do agir. Dúvida e convicção são duas condicionantes do nosso olhar o mundo, duas inércias opostas: a positiva, a do movimento – a dúvida – e a negativa, a da imobilidade…

Certamente que haverá quem se julgue dispensado destas condicionantes do pensar e do agir, mas equivoca-se. Falam alguns do destino, entregam-se outros, ao que juram, nas mãos de Deus, imaginando-o ama de leite. De tombo em tombo vir-lhes-á a angústia: ou não existem as mãos, ou falta o merecimento.

Mais intelectualmente apostados, há os que confiam em mestres do aquém e do além, não se apercebendo que os mestres de verdade nada ensinam, apenas nos inquietam, escondem-se cruelmente atrás dos nossos erros e vícios e não sentem as nossas dores.

Talvez a vida não precise de mestres que a ensinem, que ela apropria seja de si mesma e por si mesma a grande mestra, sábia, sagaz e intransigente.

Mas o facto é que cruzamos a vida num processo mental de crenças e ideias mortas, limitando mais ainda o que por natureza nos é limitado, a mente, que com vaidade dizemos nossa. Mas a mente humana é apenas um ténue reflexo da mente total e absoluta a que os rosacruzes chamam mente cósmica. É por via desta potência que sentimos infundidas em nós as capacidades mentais que nos caracterizam como humanos. Um pouco menos e éramos bichos, na melhor das hipóteses animais de companhia, mesmo não havendo a quem acompanhar.

É bem possível que não sejamos mais do que simples catalisadores desta inteligência de que utilizamos um nadinha por necessidade e exibimos mais do que temos por imodéstia.

A Inteligência Cósmica, por mais que anime o homem e nele se faça pensamento que as convicções infectam, mas que felizmente se higieniza e estimula pela dúvida, é distorcida porque o homem, convenhamos, não é um instrumento de alta fidelidade. Se o fosse, não pensava, era pensado.

domingo, 14 de agosto de 2022

O QUE É O MANÁ?

 

O QUE É O MANÁ?

 

Na conversa de circunstância, dizemos maná de algo que obtemos de borla, sem qualquer esforço. Significa coisa excelente, alimento abundante e delicioso. Também chamamos assim ao suco resinoso de certas plantas utilizado como laxante. A palavra veio-nos do hebreu e é referida na Bíblia como o alimento que Deus fez chover sobre os hebreus pretensamente em fuga do Egipto. O Êxodo descreve o maná como uma substância similar à geada, que caía do céu como se fosse orvalho e que tinha um sabor parecido com um bolo de mel, que se derretia ou desaparecia com o sol.

Alguns cientistas, não querendo ser desmancha prazeres, ou porque as suas crenças se sobrepõem ao espírito investigativo descomprometido, aventam hipóteses a armar ao sério, como se o tal êxodo pudesse ser verosímil como História e não fosse apenas mito e alegoria. Então, dizem que poderia tratar-se de gafanhotos, que têm um sabor parecido com o marisco, mas bastante mais doce, insecto perfeitamente comestível e que não era considerado impuro. Mais para o vegano, alguns botânicos optam por sementes brancas de coentro, que moídas e levadas ao forno são muito doces e apetitosas. Não sei, nunca provei. Mas há botânicos, bem mais próximos da imagética bíblica, que falam de um líquen muito abundante naquelas paragens, chamado de lecanora esculenta, que o vento transporta por longas distâncias e que tem o aspecto de uma bolacha irregular. Outros esforçados em dar suporte coerente ao que por natureza não tem coerência nenhuma, falam do tamarino, abundante no Sinai e outras coisas de que não me lembro. Também não devemos deixar de referir os que, para não meterem Deus nem os anjos nestas coisas, optam por ovnis, extraterrestres e coisas assim.


Lecanora esculenta




 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

A MORTE É A CURVA DA ESTRADA

 

Kǒng Fūzǐ, ou Confúcio, como se usa em português, dizia perguntando: «Se ainda não conheces a vida, como podes pretender conhecer a morte?».

Pois. É que no tempo dele não havia Internet. Se ele agora aqui chegasse seria reduzido ao espanto e ao silêncio, que isto está cheio de sábios que tudo sabem e tudo debitam com a razão empedernida dos tiranos e a falta de dúvidas dos tolos.

Estes sábios cibernéticos até em Quanta são peritos, embora quanto a respeito digam seja de pôr os cabelos em pé aos investigadores da área, que, sendo uma minoria, não ousam nem têm pachorra para contrariar esta maioria de pulgas falantes. As ditaduras de maioria são bem piores que as ditaduras de minoria, elas impõem a ignorância pesporrente e o que de pior há em todos nós pelo peso e pelo número e não distinguem a verdade da mentira. As ditaduras de minoria. quando mentem sabem que mentem, e mentem porque mentindo lucram. As ditaduras de maioria nada lucram quer mintam quer falem verdade, querem apenas fingir que vivem. Afinal, bem andava Pessoa falando dos cadáveres adiados que procriam.

Nas sociedades actuais, onde tudo se compra, tudo se vende e tudo se vilipendia, as massas urbanas foram afastadas do saber de experiência feito, de que falava Camões. Afinal, compramos tudo feito e vamo-nos parecendo cada vez mais com os smartphones. Os putos na escola já vão dizendo: «então o “Setor” quer saber mais do que a NET?»

Experiência, experiência, foi-se. E no caso da curva da estrada que é a morte, de nascer todos tivemos a experiência que mal ou nada recordamos; de morrer, apenas a temida expectativa, por vermos morrer os outros à nossa volta. Deveríamos ter, de ambas as coisas, uma profunda e comprovada certeza: ninguém nasce por nós e ninguém morre por nós. E isto é tão certo para aqueles que acreditam que a morte é o fim de todas as dores e de todas as alegrias, a aniquilação total da nossa existência, como para os que acreditam na vida para além da morte.

O mistério da morte, como tudo o mais, anda bastante afastado das nossas reflexões. Nós não reflectimos, não precisamos, está tudo na NET. Afinal, vivemos neste exílio do pronto a comer, pronto a vestir, pronto a pensar e, sobretudo, pronto a dizer. Do mistério da morte ficou-nos apenas a bíblica cultura do sentimento de culpa e de culpabilização. Morreu-nos alguém no hospital? Foi negligência médica. O que é que alguém fez de mal para ter morrido de morte súbita?

Por que nascemos? Por que morremos? Lao Tze dizia: «Nascer é chegar, morrer é regressar», o que implica uma crença em vida para além da morte. Tudo bem. Mas se é para voltar para o mesmo sítio, porquê nascer? Dizem alguns, com aquela certeza que só a NET e as seitas de colesterol mental vendem, que andamos por aqui para aprender. Não seria mais simples dizer-se que se nasce porque sim e se morre porque sim? que nascer e morrer são dois aspectos da vida e que a finalidade da vida é apenas viver? Que o digam as árvores e as flores, que não vão à missa nem consultam a Wikipédia.

Eu não sei. O leitor sabe? Sabe, ou tem, aprendida algures, uma resposta pronta que lhe apazigua o medo e lhe abafa a dúvida?

Sabe? É que há quem diga que o Além, a alma, coisas que não possam ser testadas e medidas são superstição e obscurantismo que derivam dos nossos medos atávicos e são promovidas pelas religiões e pelos ocultistas.

Deixemos aqui as perguntas básicas:

- Haverá vida para além desta vida material e biológica?

- A consciência, isto é, o eu sobrevive ou não à extinção das funções vitais do corpo?

 Quem saiba de experiência feita que o diga; quem apenas creia, pergunte-se por que crê assim e não crê assado.

Ah! E atenção, nada de testemunhos de terceiros e coisa e tal. Nem das tais experiências de EQM. Deixemos o subjectivo ao subjectivo, sem prejuízo de conversarmos, com a premissa de que ninguém diga é assim, porque está na Bíblia ou o disse Einstein.  




terça-feira, 28 de junho de 2022

PONTOS DE VISTA

 

Quando, entre os rosacrucianos, se diz o Deus do seu coração, fica implícita a forma plural de entender, sentir e imaginar o que seja Deus. Hoje, em tempos de Cibernética e de Quanta, fica extemporâneo imaginar-se Deus com o olhar do passado. Penso que não é mais possível defender o conceito de um Deus pessoal, separado da sua criação. Aliás, tentar caracterizá-Lo é diminuí-Lo. Assim, se dissermos que Deus é tudo e que toda a matéria é o seu corpo manifesto, diminui-Lo-íamos se o tudo não incluísse o nada. Não estamos, de modo algum, a admitir o contrário de Deus, porque se torna evidente ser irracional admiti-lo. Contrariamente ao muito que se diz no seio do esoterismo, não me parece defensável a dualidade de Deus. Mas é bom que tenhamos a humildade suficiente para admitir que um ponto de vista, afinal, não passa da vista de um ponto. Mas adiante. O problema de se ter inventado um diabo para lhe atribuir a responsabilidade do mal visou eximir Deus de tal. Ora, o mal é do mundo dos homens, é um conceito moral. E não devemos achar que as catástrofes naturais, por exemplo, sejam obras do maligno ou castigos de Deus. A inteligência humana, reflexo da inteligência total, encontrará os meios necessários para se defender das forças da Natureza que prejudiquem vivermos neste mundo. A mesma inteligência poderá cuidar do progresso benigno das sociedades humanas, ou optar pelo contrário – está no seu livre-arbítrio – mas terá de entender que toda a acção tem a sua consequência. Se ferirmos um dedo ao manejar uma faca, a culpa não é da faca, é d nossa inabilidade.